sábado, 12 de junho de 2010

CARTA


Escrevo estas mal traçadas linhas na esperança de fantasiar seu corpo junto ao meu de novo, na esperança de sentir um abraço apertado acalentando meu ser, agora sem sentido, nu e sedento, na esperança também de que leia esta carta e sinta o meu abraço mais saudoso,  dolorido e  amoroso...
Quando você partiu, pensei que não conseguiria mais levantar da cama, pensei que não suportaria dormir e acordar sem você do meu lado, na mesa do café, calado lendo o jornal
Não ver você despir o terno e gravata depois de um dia árduo de trabalho...
Essas pequenas coisas que me fazem tanta falta...
O jeito que me tomava nos braços carente do meu amor, do meu, do nosso prazer.
A forma que acariciava meu corpo, que beijava ele todo, que penetrava não só em mim, você, alcançava até a parte incorpórea do meu ser
Você partiu não só levando as tuas roupas, teus sapatos, teus cacarecos
Você levou os pedaços de mim que te dei, pensando que seriamos para sempre um.
Agora, sou só metade e você inteiro.
Às vezes ainda escuto teus passos arrastando os chinelos pelo corredor
O abrir e fechar a porta da geladeira
A sua respiração enquanto dormia
E quando volto a mim, topo apenas com o silêncio,
o corredor, a cozinha, a cama tudo está vazio, mudo!
Perdemos na escrita da nossa trama, dos crimes que cometemos, nossa cumplicidade
O amor que dizias sentir, esse já não encontro mais nos lençóis nem nas digitais que deixaste em meu corpo, não encontro mais nos jornais que lia durante o café da manhã
Não o encontro nos meus lábios vazios de você...
Eu conheço todos os teus caminhos e tu conheces todos os meus.
E agora estou perdida sem você pra me guiar, pra me orientar
Faça de conta que nada disso conta.
Abre essa porta e volta dessa viagem, longa que já dura mais de dez anos e ainda aqui fico a te esperar, sentada na varanda, na rede que não balança mais...
Volta meu amor toma meu prazer e minha saudade feitos suco de uva em tua boca, sem sede de mim, volta para a casa que tu abandonaste, mas que continua sendo tua
Não há nada que me faça esquecer você, por que eu não quero, não permito outras mãos que não seja as tuas a passear no meu corpo
Ainda coloco o teu travesseiro ao lado do meu na cama, ainda dobro o cobertor como você gostava, ainda coloco tua chicara e o teu jornal sobre a mesa, não quis perder nenhum costume, por que não quero ouvir na tua volta nenhuma reclamação que não seja dessa saudade que tanto me consome...
Que tanto me devora, feito traça roendo um livro velho jogado na estante
Será meu amor que se lembras de mim, que sente essa falta que dói tanto aqui?
Inverno chegou mais uma vez, neve caindo lá fora, e você não está aqui pra acender a lareira.
Não tenho mais forças para terminar de escrever...
O frio invadiu minhas portas e eu só tenho a carta
Para me abraçar.

Leila Machado.

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